Por Michele Calliari Marchese
Esse causo aconteceu na
Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer que é um Universo
único, dada a quantidade de causos sem explicação e misteriosos que acontecem
por essas bandas.
Aconteceu num domingo, quando
o tio Antero e os compadres voltaram do acampamento de pescaria que fizeram lá
pelas bandas de Abelardo Luz. Voltaram galopando muito descontentes e sem
nenhum peixe no bornal. Logo apearam, chamaram os vizinhos e contaram a
história muito verídica que tinha acontecido com eles naquele final de semana.
“Quando nós chegamos nos matos
do Abelardo, já era de tardezinha, quase noitinha, eu ia por último na fila e
Juvencio por primeiro, porque nós estava armados. Eu ia por último na fila
quando senti uma mão que me segurava pelo queixo me desequilibrando do cavalo,
quase me fazendo cair. Não chamei os outros pois achei que não fosse nada e
porque não tinha caído do cavalo.
Escureceu bem depressa e mais
adiante aquela mão me pegou no queixo de novo, e se não sou rápido caía do
cavalo. Mas fui forte e segui de perto o Ataíde que tava na minha frente.
Controlei o cavalo que tinha se assustado e seguimos adiante até chegarmos ao
acampamento. Os lampião estavam acesos e só precisava descarregar as sacolas
para a gente ir pescar. Quando desceu a noite e tudo ficou preto, sem nenhuma
estrela no céu, fomos para o rio com os lampião, as garrucha e os bornal.
Minhoca e gafanhoto tinha bastante na beirada do barranco. Já tava lá o Nilson,
com as vara e os anzol.
Preparei tudo, e entrei no rio
com a vara e o lampião. Joguei o anzol muitas vezes e todas as vezes voltou
vazio. Nunca tinha acontecido um troço desses porque é de noite que os peixes
vem comer no anzol e lá tinha muito peixe.
Joguei de novo e o anzol pegou
um peixão grande, preto e muito pesado. Mas não arrebentou a linha. Consegui
puxar aquele bitelão um pouco para fora e como era preto taquei o lampião perto
para alumiá e sabem o que era?
Pesquei um padre Jesuíta e
quase perdi o lampião no susto.
Sim, um padre Jesuíta, que me
disse que o nome dele era Bernardo de Armenta e que tinha participado numa
expedição de um tal de Alonso Cabrera há muitos, mas muitos anos atrás. E nós,
então, nos reunimos ao redor do padre Jesuíta, sem ter coragem de tirar o homem
da água e escutamos o que ele dizia, que era para nós desenterrar um tesouro
que estava enterrado debaixo de uma bracatinga próxima de nosso acampamento e
ao redor tinha muito pé de marcela, acharíamos como certo pois não tinha mais
pés de marcela por lá a não ser aqueles.
Perguntamos ao padre Jesuíta
porque não tinha desenterrado ele mesmo o tesouro, ao que me respondeu que já
estava morto há muito, e perguntamos porque escolheu a gente ao que respondeu
que não aparecia gentes por lá e que nós tinha que desenterrar o tesouro e usar
ele como bem aprouvesse, e perguntamos também porque não tinha falado antes, ao
que respondeu que tinha me puxado no cavalo várias vezes naquela tardinha e eu
não tinha entendido.
Eu já tava cansado de segurar
o homem no anzol e quando fomos fazer mais perguntas ele tirou o anzol do capuz
e entrou na água de novo sumindo de nossas vista.
Ficamos um bom tempo olhando
um para a cara do outro. E sem dizer uma palavra recolhemos as varas de pescar,
os lampião, os bornal e fomos à cata da dita bracatinga com marcela.
Encontramos.
Tivemos que buscar pá e pedaço
de pau e tudo de pontudo que pudesse ajudar na escavação. Fomos tudo junto para
que nenhum sozinho desenterrasse o tesouro.
Voltamos, começamos a cavar e
encontramos o tesouro.
Era uma baita duma panela,
cheia de moeda de ouro que chegava a reluzir na luz do lampião. Só que toda a
vez que a gente tirava a panela do buraco, uma força muito grande, descomunal
até, trazia a panela de volta para o buraco.
Tentamos de tudo, corda,
rampa, cavalo e nada da panela sair de lá.
Resolvemos fechar o buraco e
voltar para casa, pois nós já estava a três dias luitando com a panela, sem
comer nem beber um gole de água.
Com as força do desconhecido
nós não conseguimos luitar.”
Ninguém conseguiu dormir
naquela noite, só pensando no ouro enterrado. Inclusive o padre Dilso veio dar
uma benção nos pescadores com medo que eles pudessem ter trazido alguma coisa
ruim com eles. Mas não tinham trazido coisa ruim não, porque por um golpe de
sorte o tio Antero herdou de um parente muito distante e desconhecido uma baita
fazenda no Mato Grosso, e que precisava de um mês inteirinho para conhecer toda
a terra da fazenda e cheio de boi e vaca em cima, ele ficou rico de uma hora
para outra e nós muito felizes.
E o ouro está lá enterrado
ainda, debaixo das marcelas e da bracatinga.
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