Por Conceição Gomes
As últimas pessoas despediram-se. Ela ficou apenas com os filhos, à beira
do túmulo do esposo recém-sepultado. Um dos filhos perguntou se ela estava bem.
Respondeu que sim, que estava muito bem. Pediu para ficar só, que mais tarde
estaria em casa esperando-os para jantarem juntos, coisa que não faziam há
tempos. Os filhos insistiram para lhe fazer companhia. Ela foi taxativa: não!
Por fim, ficou só. Pediu perdão por não tê-lo feito feliz e perdoou pelos anos
em que vivera oprimida sufocando seus sonhos. Disse adeus e saiu caminhando com
passos decididos, sorvendo cada sopro de vento, abençoando cada raio de sol
daquela morna manhã de outono. Estava livre para cortar o cabelo como bem
entendesse, para dormir até tarde, receber suas amigas, jogar conversa fora,
para ir aos lugares que quisesse. Estava livre até para ser plenamente dona de
si e de sua felicidade.
Entrou no primeiro boteco que viu. Sentou, pediu pastel e uma cerveja
preta. Saboreou cada minuto daquela quietude sem nenhuma pressa e
compromisso... Foi até o salão de beleza, pediu um corte de seus vinte e poucos
anos. Saiu de lá remoçada. Foi à vídeo locadora, à loja de discos e à livraria.
Saiu carregada de pacotes, com tudo que lhe agradava. Chegou em casa, telefonou
para os filhos, noras e genros, convidando-os para o jantar daquela noite... Comida
chinesa que ela adorava e o falecido detestava. Ligou também para uma agência
de viagens, marcou passagens e hospedagem para algum lugar de seus sonhos. Por
fim, tomou um demorado e generoso banho, lavando-se das culpas e medos, das
dúvidas e ressentimentos... Embelezou-se! Olhou-se no espelho e gostou do que
viu. É vida nova, pensou com os olhos brilhando de esperança.
Conto publicado no Recanto das Letras em 2009.
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Obrigada, Conceição, por ter aceito o desafio e participado em nosso primeiro concurso. O que nós esperamos com tudo isso é levar as pessoas comuns a praticarem cada vez mais tanto leitura quanto escrita. Aqui não se busca a técnica-perfeita em primeiro lugar, e sim o prazer da criação e da partilha aceitando-se de bom grado qualquer aprendizado relacionado à arte de escrever e de contar. Você será sempre muito bem-vinda neste canto. Parabéns pelo segundo e terceiro lugares. Tivemos outros candidatos, claro, mas tendo que escolher entre os três melhores textos, você levou clara vantagem por ter submetido dois. Um abraço fraterno, até!
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