segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Às Sete Horas



Por Michele Calliari Marchese

Esse causo aconteceu na Campina da Cascavel, deveras distante de tudo, poderia dizer que é um Universo único, dada a quantidade de causos sem explicação e misteriosos que acontecem por essas bandas.

Esse causo é muito verídico e ainda assombra a cabeça dos envolvidos. Aconteceu num dia muito bonito em que o povo da Campina festejava o Dia de Nossa Senhora.
As mesas arrumadas, as mulheres conversando, os homens assando a carne e as crianças brincando.
O pessoal montou meio às pressas várias patentes para o uso durante o dia. Eram feitas de madeira, tiradas dali mesmo do meio do mato. Algumas estavam apenas amarradas e outras tinham pregos para susterem-se no chão de terra batida. Fizeram três para cada, masculino e feminino.
E tudo transcorria bem, até que o sino da igreja badalou sete vezes anunciando as sete horas da noite. O Padre Dimas ficou preocupado, pois que era só ele que tinha as chaves para chegar até o sino. Resolveu correr até lá e ver quem tinha badalado e constatou muito a contragosto que a porta de acesso estava trancada e com o cadeado exatamente do jeito que ele tinha deixado há algum tempo atrás.
Foi quando escutou muitos gritos e todos vinham correndo em sua direção. Diziam coisas sem nexo e uma das mulheres enquanto corria erguia a camisa para mostrar alguns arranhões vermelhos em sua barriga. Chorava muito essa mulher e estava visivelmente transtornada dizendo que tinha alguém ou alguma coisa que a agrediu na patente.
O Padre tentava a todo custo acalmar a mulher quando ouviram um barulho muito forte vindo de lá e muitos gritos.
“É o tinhoso, é o demo”, gritavam e mais apavorados ficavam os que ouviam e não tinham coragem de acudir.
Muitos homens armaram-se de paus e pedras para defender a pobre gente, mas não tinham brio de sair de perto do padre. Quem teve presença de espírito para ver o que estava acontecendo foi o barbeiro, que, com a sua contumaz frieza pegou um pedaço de pau, enrolou sua camisa nele e tacou fogo.
Dirigia-se ao local enquanto escutava atento o povo dizendo que tinha visto o belzebu. Com certeza absoluta! Alguns tinham visto em detalhes e outros tinham sentido até o cheiro.
O Padre colocou todo mundo dentro da igreja e puseram-se a rezar e a acender velas e lampiões. As crianças choravam um choro estridente e gritado, deixando a coisa mais assustadora ainda.
O barbeiro que não acreditava que o “coisa ruim” apareceria na Campina, foi pé ante pé, num silêncio muito seu e estacou em frente às patentes. Rezou uma reza que sua ama de leite tinha-lhe ensinado na infância e abriu uma a uma das portinhas. Fora a fetidez típica do local, não viu nada além de alguns tamancos esquecidos na pressa da fuga.
Botou uma pedra de encalço em cada portinha e ficou ali de tocaia, olhando o nada e sentindo o cheiro nauseabundo da fossa.
Foi quando todos ouviram o sino badalar mais uma vez as sete vezes; e quem estava dentro da igreja tratou de fugir desesperadamente para as suas casas e o Padre para o meio do mato atrás do barbeiro.
O barbeiro achando tratar-se do padre a badalar, como um sinal que ele pensou ser um aviso, resolveu por conta atear fogo nas patentes. E assim o fez.
O padre quando viu o fogo alto vindo da direção do barbeiro e das patentes, deu meia volta e correu para a primeira casa que apareceu na sua frente. Muito assustado e quase tendo uma síncope, ajoelhou-se com a família da casa ali mesmo no chão da varanda e começou a rezar uma reza em favor dos mortos, pois que não vinha nada na sua cabeça a não ser isso.
Estavam muito compenetrados, quando o barbeiro apontou à vista da casa sem a tocha e muito enegrecido de fuligem. E todos desabalaram em correria, pois acharam tratar-se do próprio diabo aparecendo em corpo, alma e calças compridas.
Teve que ter grito do barbeiro dizendo quem era para que a turba aquietasse os ânimos, e quando todos chegaram perto o barbeiro disse que ao sinal do padre — aquelas sete badaladas — tinha tacado fogo nas patentes e que jurava por todos os santos que conhecia que não tinha nada por lá. Que era invencionice do povo.
O povo se ofendeu e mais ainda a mulher arranhada que não se conformou com o veredito do barbeiro. Este disse a todos que havia alguns pregos mal pregados e possivelmente ela havia se arranhado ali.
“E quem badalou o sino?” Perguntaram. “Foi o padre.” Respondeu o barbeiro.
E o padre, olhando para a igreja e em seguida para o barbeiro e depois para o povo disse:
“Eu não badalei o sino, vamos todos lá ver.” E foram todos atrás do padre que tirava de dentro do bolso da batina um molho de chaves que não serviu nenhuma no cadeado e que o vizinho arrebentou a machadadas. Subiram às cegas e lá não encontraram nada além do sino inerte e do vento que assobiava em algum lugar por ali.



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