segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Jacarezinho, Vargem Bonita e o João


Por Michele Calliari Marchese

Esqueci sobre o que queria contar. Estava com o assunto na cabeça há duas semanas, e quando tratei de contar, esqueci! Não sei se era alguma coisa relacionada a mim mesmo ou que tenha acontecido com outra pessoa. Pode até ser que seja alguma coisa do tipo objeto ou lugar e não ser relacionado às pessoas ou mesmo a mim, vou contando de outras coisas até que me lembre. É importante!

Aconteceu isso uma vez com um conhecido meu, nós nos encontramos na pracinha da Igreja Matriz e nos sentamos num dos muitos bancos de madeira que lá existem, alguns debaixo de árvores, outros próximos à fonte, tudo para a contemplação da natureza e dos passarinhos. Era um lugar idílico. Contam os mais antigos que a fonte — que era de bronze — veio de Portugal. Mas não sei não, acho que foi construída na região, já que ali abunda o cobre e outros minerais.

Eu vi uma dessas fontes na cidade vizinha, mas estava desativada e um tanto quanto abandonada. Tinha ido lá para ver se encontrava o nome do escultor e vi que faltava água na cidade inteira e os moradores estavam preocupados com a estiagem que já durava quarenta dias diziam uns e 60 dias diziam outros. Eu me lembro dessa viagem porque levei uma multa de trânsito e essas coisas são difíceis de esquecer. O guarda me multou porque estava com os faróis baixos desligados em dia de chuva.

Viajei até a fronteira do Paraná com São Paulo, e quando lá cheguei — em Jacarezinho — me disseram que era feriado municipal e não havia nada aberto com exceção do único hotel e da rodoviária. O ônibus estava lotado e muitos tinham ido para ficar na casa dos parentes, mas outros seguiriam viagem. Optei por ficar.

Minha mãe resolveu me acompanhar até o cemitério naquele dia, porque ela estava com medo de ficar sozinha em casa e meus irmãos estavam trabalhando. Quando chegamos lá, o cemitério estava cheio e o padre estava rezando a missa na Santa Cruz. A Santa Cruz é aquela cruz que fica no meio do cemitério para a realização das missas ao ar livre, já que não tem Igreja dentro do cemitério. É uma das coisas que nunca entendi muito bem, eu li em algum lugar que na Europa as pessoas enterravam os mortos dentro da propriedade de cada um e eu achei aquilo bem interessante. O único problema é que quando fossem vender a casa teriam que desenterrar os mortos e levá-los junto na mudança, ou vender os mortos junto com a casa e quem comprasse se responsabilizaria por acender velas e plantar flores.

Quando me mudei para Vargem Bonita, o meu guarda roupa ficou em frangalhos e tive que comprar um novo, o motorista do caminhão que levou a minha mudança não tinha muita experiência. Era amigo do meu filho e quis dar um empurrão para ver se ele ia para frente e ele deixou todas as minhas coisas para trás, tive muito prejuízo. Os jovens não ligam muito para as responsabilidades da vida.

Dia desses, tinha três rapazes na porta da minha casa, eu achei que fosse para fazer o estudo da Bíblia, e quando cheguei lá fora e abri o Livro, eles deram muitas risadas e me chamaram de velho gagá. Perdeu-se o respeito por tudo e por todos. Infelizmente eu acho que é o final dos tempos. Nem vou ficar surpreso se o mundo acabar agora, porque as coisas já estão acabando devagar, como uma vez que eu fui numa cidade e tinha uma seca danada e já fazia muitos dias que não chovia, parece que eram 40 dias. No lugar do Noé com a arca, ia ter o Pequeno Príncipe no deserto. A fonte até secou! Não dava graça de ir namorar na pracinha com a fonte seca.

Minha namorada adorava a pracinha e em muitas árvores nós gravamos nossos nomes com um grande coração ao redor. Me casei com ela depois de 5 anos de namoro, mas não fui ver se os corações ainda estavam lá. Numa viagem que fui eu vi que cortaram muitas delas e provavelmente as nossas não estivessem mais lá. Nem a fonte estava. No lugar construíram uma pequena capela em honra a não sei que santa. Era uma santa padroeira da cidade. Quando saíam as festas da padroeira, tudo ficava colorido com as bandeirolas enfeitando a cidade e as ruas. Eu ajudava a entreter as crianças e cuidava do balcão da pesca. Tinha criança que gostava do prêmio e outras não gostavam porque ganhavam barras de sabonete.

Isso também aconteceu com um amigo meu, nós nos encontramos na pracinha da Igreja Matriz, e... eu acho que já te contei essa história. O João faleceu no ano passado e eu nunca me esqueci das coisas que passamos juntos. Tanto é, que quando é Feriado de Finados eu levo uma flor para por no túmulo dele lá onde ele está enterrado, numa cidade perto de São Paulo. Não é sempre que eu posso ir e muitas vezes a minha mãe me acompanha, mas quando chegamos lá, ela chora muito e sente a falta do meu pai, assim como eu também sinto. Ele foi muito importante para a família inteira. Ele me ajudou muito quando me mudei para uma cidadezinha no interior de Santa Catarina e foi ele que me deu um pedaço de terra para plantar.

Eu li — e não lembro onde — que tem pessoas que enterram seus parentes no pátio da casa, e eu ficava imaginando enquanto arava a terra se não ia encontrar os esqueletos da família das pessoas que moravam lá antes de mim. Perguntei ao pai se ele queria que eu enterrasse ele ali, mas ele não gostou da idéia e me mandou trabalhar numa fábrica de minério. Eu fazia bronze, ligava o cobre com outros metais como o estanho, o zinco. Eu gostava de trabalhar lá. Um dia o dono me mandou “fazer” uma fonte. Eu fiz. Ficou tão linda que o meu patrão doou ela para a pracinha da cidade. Teve mais alguns pedidos e eu fiz todos.  Depois me machuquei, e acho que foi na mudança para Jacarezinho com os meus irmãos. Só sei que parei de trabalhar.

A minha esposa costurava vestidos e acabou ficando cega de tantas noites de trabalho costurando e lendo a Bíblia. Queria que o nosso filho fosse padre, mas não existia seminário em nossa cidade, então ele acabou indo trabalhar num hotel de uma cidade vizinha. Minha esposa morreu. E sempre que posso eu vou ao cemitério levar uma flor para por no túmulo dela, lá onde ela está enterrada, em Vargem Bonita. Não é sempre que eu posso ir e muitas vezes a minha mãe me acompanha, mas quando chegamos lá, ela chora muito e sente a falta do meu pai, assim como eu também sinto. Ele foi muito importante para a família inteira.

Eu já te contei sobre o meu amigo João? Eu queria te contar uma coisa, mas não consigo me lembrar o que é.





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