segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

VENDE-SE



Dizia assim no jornal, pequeno anúncio: Vende-se, completando com o endereço e mais nenhuma informação. Ele leu outros, vários deles, desde a fila dos automóveis, casas, apartamentos, carrinho de bebê, ofertando também várias quinquilharias, desde móveis antigos até aparelhos usados. Assim, discriminados por seção e condição e até preços, pelo visto, já que foi diminuindo de tamanho, de acordo, provavelmente, com as condições financeiras do anunciante. E o Vende-se, destacando apesar de ser o menor: exatas três linhas, sem telefone ou qualquer outra informação a não ser o endereço, peculiar e sugestivo: Rua das Flores, 45, somente. Viu o bairro. Beleza, ótimo para moradia. Se estiver vendendo deve ser apartamento. Viu na lista telefônica. Sim, isso mesmo, prédio de apartamento. Mas, qual? Bem, vou até o local. E estava interessado em comprar um automóvel usado, sim, mas de no máximo três anos da data de fabricação, ou colocação no mercado.

— Júlio, querido, vai sair?

— Vou, mãe, — passando pela sala e a mãe vendo televisão, logo cedo, das notícias. — Vi um anúncio de jornal, venda de apartamento, vou ver.

— Tome um lanche primeiro, querido, pode demorar na rua. Vamos. Deixa ver o anúncio. — Ele tirou somente a folha já dobrada do restante do jornal e deixou o mesmo em cima da mesa, para o pai ler o que lhe interessava. A edição do jornal é assim que ele destrincha: o Editorial, sempre um assunto de interesse nacional ou internacional, evidente, um ou outro, grande coisa. O lado dos esportes: futebol e tamboréu de praia, ótimos esportes. Um para ler e criticar, o primeiro, e o outro para criticar quando perde e a praia estava ruim, o terreno fofo demais e está fora de forma. Quando vence, nos altos dos seus sessenta e dois anos de idade, sou o máximo. Ele ri disso. E os quadrinhos e as tentações dos filmes e o olhar mais crítico sobre eles. De ação, talvez, de amor com a mamãe dele, do Júlio, do lado. Se for bom, vem dizendo bem. Se for ruim, não soube sequer o que aconteceu depois do meio do filme. Exatamente trinta e cinco minutos de projeção é o máximo. Se passar, vai ler o fim no final do mesmo e a esposa vai ganhar um belo presente. E um jantar fora. De pizza a pratos sofisticados.

— Vou fazer, queridinha. — E sentou-se.
Ela leu o anúncio e o interrogou com o olhar.
— Não sei, mãe, mas é apartamento. Vende-se e o endereço. Vai ver está mal de finanças. Só pode, pegando de volta.

— Muito ranzinza e...

— Ranzinza?!

—... e pão duro.

— Como sabe, mãe, pode ser mulher. Viúva, talvez. Menina moça também — rindo.

— Você e suas...

— O que tem demais, pode pensar positivo. Viúva e menina moça, quem sabe — rindo mais ainda.
Ela o agarrou pelo pescoço e o beijou na testa servindo o leite, o café e o pedaço de pão. Cortou as fatias de queijo e deixou disponível a manteiga, para que se servisse.
— Está ótimo, mãe, não exagera. Vou voltar em menos de duas horas, é perto. Vou de carro. O papai?

— Na praia, jogando. Logo cedo. Não se emenda.

— Certo, certo, sem reclamação. Muito bem, está ótimo.

— Assim, rápido.

— É, vou mastigando esse enorme — mostrando o sanduíche de queijo. — Branco, como sempre. E fez o beijo na testa dela agora e saiu pela porta da cozinha mesmo. Se for casar, algum dia, agora precisa se posicionar. Chega de morar com os pais. Os irmãos e irmã já saíram cedo dela, bem antes dos seus vinte e sete anos. Já formado há dois anos em Paleontologia e Estudos de Morfologia, para animais marinhos. E assim vai. Cada um com as suas vontades e idiossincrasias. Apesar de novo, tenho minhas preferências. Quando terminar a minha tese, formatada e explicada em detalhes, estou pronto para assumir as funções que gosto, no Instituto da Marinha. Ele saiu pela escada, do quinto andar, pensando nisso, na sua vida, e nesse anúncio detalhado, rindo disso. Bem detalhado, foi sim, quando chegou à frente do prédio. Agora, direto no interfone.

— Sim, quem deseja?

— Meu nome é Júlio, vim pelo anúncio no jornal. Sabe me dizer... quem está falando?

— Sou o porteiro. Qual anúncio? — Sentiu o pedido meio desconfiado, tentando enxergar e colocando a cabeça para fora do pequeno aparato na frente do prédio, voltando em seguida para a tela. Viu que mudou, pouco, o aparelho monitor acima do local para localizá-lo melhor. Olhou direto para ele, com o rosto honesto que todos têm, até prova em contrário.

— O anúncio dizia vende-se e o endereço. Sabe qual o apartamento que está sendo vendido?

— Não sei de nada, espere um instante que vou falar com o síndico ou o zelador.
E escutou bater o fone e desligar. De novo o homem olhou pela janela, cinco metros adiante do portão, fechado e dois metros e meio de altura pelo menos, forte e resistente. Talvez um sintoma que por ali já foram presenteados com visitas incorretas: aquela do é meu o que era seu. E esperou, exato, três minutos. E de volta:
— Pode entrar, por favor.
Ele fez, o homem liberou mais o portão interno e esperou que lhe adiantasse o documento sem dizer mais nada, com a palma da mão para cima. Ele tirou do bolso, estranhando a atitude.
— O que foi?

— Nada não senhor. O seu documento. — Olhou para a cédula de identidade e para ele novamente, como checando a fotografia com ele.
Justificou:

— É antiga, pode ver. Tenho outra, de motorista, mais recente, dois anos; essa eu preciso trocar.
Ele pegou a outra, conferiu os nomes e devolveu as duas e um crachá de visitante.
Ele pensou bem, olhou de novo para o homem e resolveu fazer o que estava sendo coagido: colocou o crachá na altura do peito, pendurado no bolso da camisa, lado esquerdo. E bateu nele duas vezes, para protestar. O homem sequer entendeu, porque passou para ele uma tabuleta com folhas para ele assinar e o horário em seguida, apontando para mais adiante. Ele foi e esperou. Cinco minutos e nada. Voltou.

— O que o senhor quer agora?

— Não veio ninguém.

— Eu não posso fazer nada. O senhor queria entrar, eu deixei depois que falei com o zelador. Se ele não veio atender o senhor, não posso fazer nada.

— Pode sim, meio zangado. Ligue para ele e avise que estou esperando. O resmungo foi audível e o toque no interfone, dois , mais resmungos e pronto.

— O homem, senhor Júlio, está esperando o senhor há mais de dez minutos, mentiu. Ele está nervoso, aqui, na minha frente. Ele esperou aquele destempero. E deve ter ouvido algo que não gostou. — O senhor veio comprar apartamento?

— Sim, qual é o andar?

— Não tem nenhum apartamento à venda, o zelador me falou agora. Quer falar com ele, pelo interfone?
Pegou e o célebre alô. E escutou tudo o que podia para depois argumentar. E ficou assim, meio desenxabido. Afinal o anúncio não dizia que vendiam apartamento. E ele ficou sem poder justificar, ficou de não se aborrecer, pensando assim, positivamente, e desligou depois que agradeceu.

— Tudo bem, senhor Júlio?

— Tudo bem, vou sair, — devolvendo o crachá. — Só uma pergunta... não, não vou perguntar nada. Se alguma vez acontecer de alguém pedir para entrar e estiver com um elefante do lado o senhor permite? O homem o encarou, fez mais resmungos e devolveu:

— Se o senhor não sabe para onde vai, não brigue comigo. E se tiver ordem para entrar, com ou sem elefante, eu deixo, abro o portão e faço o crachá, é essa a minha função. Ele tem razão, salientou em pensamento. Tem mesmo razão. Fez certo o seu ofício. E sorriu, devolvendo:

— Verdade. Tem razão. E saiu assim, sorrindo, olhando de volta, e a cara dele não era das melhores. Saiu pelo portão, esperando pacientemente que o homem o liberasse. Estava se vingando, com certeza, porque contou pelo menos trinta segundos depois que chegou. Mas não vou reclamar, é capaz de me manter aqui, ter que voltar várias vezes e reclamar. Confusão logo cedo. Finalmente o trinco abriu, ele fez toda a volta nele, fechou o portão. Melhor, encostou. E saiu rápido. Quando se voltou, podia entender, pelo modo dele, o tanto de xingamento que a mãe recebeu. E riu disso também: uma ida perdida em sua busca de liberdade. E de novo, no jornal: Vende-se. Endereço. E passou por uma floricultura. Entrou, sentindo o odor das rosas e outras tantas. E uma simpática senhorita veio atender:
— Algo para a esposa, falou sinceramente.

— Não sou casado, ainda. — E prestou atenção nela. — Só vou olhar. Se gostar levo um buquê para a minha mãe. — E viu um cartaz de Vende-se na prateleira. E encafifou. Olhou bem, saindo da loja, o endereço e o número da casa. A rua está certa e o número, rindo, invertido; cinquenta e quatro. Voltou, passeou um pouco pelo local, mãos atrás, cheirando, e finalizou:

— Está vendendo o estabelecimento?

— Sim, sim, com certeza. Viu o anúncio no jornal?

— Vi sim, — mostrando. — Pensei que estavam vendendo um apartamento.
Ela pegou e começou a rir.

— O número está trocado. Mas que coisa. E esqueceram o número do telefone também. E o meu nome. Quem será que fez... bem, deveria ter lido logo cedo. Ninguém apareceu. Talvez seja por isso. Que anúncio mais idiota. Desculpe, mas o senhor vai levar o buquê?

— Não, não, — rindo — vou comprar a sua loja. Preciso de emprego. Porque está vendendo?

— Vou viajar para o exterior.

— Para o exterior?!

— Qual a dúvida, porque essa pergunta e desse jeito, com espanto?

— Porque achei, eu e a minha mãe, que o anúncio prenunciava uma pessoa viúva, — ela riu e ele disse não com a cabeça e ela concordando... pobre ... o mesmo e ela rindo... distraída... ela rindo e o balançar de cabeça... — foi o que achamos, — terminou. E os dois rindo. — E agora, — continuou, — vejo à minha frente justamente o contrario: uma pessoa, bonita, não viúva e milionária.

— Bem, exagerou nas duas últimas, — devolveu. — Agora quanto a viúva, não mesmo, — rindo. — Bem, vai fazer a oferta?

— Não quero comprar nada, estou brincando. Sou paleontólogo e não pretendo lidar com flores. Ela é rentável, a loja?

— Sim, o motivo foi esse mesmo. E vou brigar com o jornal, pedir para retificar o anúncio. Obrigada por ajudar.

— Tudo bem. Vou levar uma rosa para ela. E faça outro buquê, com duas. A primeira, vermelha, bem vermelha, e a segunda mais clara, com... três rosas rosa, — brincou.

— Certo. — E entrou no balcão, escolhendo e mostrando para ele. Concordou com a rosa bem vermelha e uma gramínea para acompanhar, com florzinhas brancas. E o celofane em volta, bem fechado, e a marca com um adesivo dourado nela. Um encanto. Deixou no balcão e fez a outra, ele escolhendo e ficando muito bonita também.

— São para você e sua simpatia, brincou, vinte e oito... trinta e cinco reais.
— Certo, — pagou com uma nota de cinquenta e recebeu o troco. Pegou a de três rosas e ofereceu a ela. Não acreditou. Ficou em dúvida, mas, depois de instantes de insegurança, aceitou. E colocou no peito, rindo da situação.

— Até mais tarde. Vou voltar com a oferta, brincou. Bom dia de serviço. Não soube do seu nome.

— Pâmela, falou languidamente, ainda embevecida com a gentileza. E...

— É para saber se vai sair certo no anúncio. O telefone não precisa saber, ou melhor, perguntar. Está aqui, — apontando o adesivo. E sorriu. Ela retribuiu. — Só mais um assunto?

— Sim!?

— É solteira?!

— Sim, sou. E não tenho namorado, também, rindo.

— Bem, não preciso de mais informações, senhorita. Volto se precisar de mais.

— Obrigada, senhor, foi um ótimo começo de vendas. Obrigada pelo presente.

— Não há de que. Até amanhã, Pâmela.

— Até amanhã!?

— Posso?!

— Sim, claro. Se for ganhar um presente desses todos os dias, a minha vida vai ser melhor... bem, obrigada.
Ele saiu, sorrindo, virou-se para ver e sentir o resultado de sua investida e parece, só parece, que se deu bem obrigado. E quando chegou à casa, melhor: ao apartamento da mãe, foi convencido por ela a voltar também, depois da gentileza da rosa mais do que vermelha.

— Não entendi, mãe.

— Devolva essa para ela e as três para mim. Trocou. — Ela riu, ele a abraçou e vendo bem, ou sentindo melhor, mãe é mesmo uma situação bem estranha para nós: tem uma familiaridade com a realidade impressionante. E o anúncio Vende-se no dia seguinte, logo cedo, disputando o jornal com o pai, saiu assim: Vende-se. O endereço. O telefone. Aceitamos presentes. Ele riu, mostrou para a mãe. Ela não riu, ficou feliz isso sim.
— Finalmente!
Ele não entendeu o finalmente. Mas depois de mais cinco dias, alguma forma maravilhosa de expressão feminina disse que não iria mais viajar. E um rapaz, correto, fluente em agradar e desejando a felicidade em todos os presentes rasgou o anúncio de Vende-se daquele local. Bem dizer, na verdade, não houve nenhum interessado. Até por demais aquele tal de presente, de aceitar presentes do mesmo, afugentou. No mínimo acharam se tornar brincadeira. Foi ótimo para ele. E faz a sua parte, aprendendo sobre flores. E ela, sobre Paleontologia e está ajudando em sua tese de apresentação. Vai ser difícil terminar se forem todo o tempo para o fundo da loja. Já estão bem arranhados com os espinhos das rosas.



E na próxima semana, uma convidada que muito bem sabe temperar as palavras. Aguarde e confirme! :-)



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Um comentário:

  1. Muito obrigada, Cilas, por sua participação tão especial aqui no Sem Vergonha de Contar. A primeira vez que li este texto lá no Recanto das Letras tive muito boa impressão, gostei mesmo. Não há normas na Literatura, e é exatamente isso, nela, que tanto me atrai. Sucesso para você em sua carreira e não deixe de nos informar seus lançamentos. Um abraço fraterno, Helena Frenzel.

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