domingo, 20 de janeiro de 2013

Pintou as unhas de vermelho e foi para a horta



Por Michele Calliari Marchese

Joana era uma daquelas mulheres extremamente apaixonadas pelos prazeres que a carne oferece. Namoradeira que só ela, dizia que o meretrício era para as putas e condenava a cobrança de tão caro prazer. Não se apaixonava nunca pelo homem que aparecia, mas pela carne que se apresentava, viril, quente. A cada um recebia de uma forma diferente, conforme ela via a personalidade do homem que se apresentava, ela se vestia ora de modo jovial, ora clássico, ora arrebatador. Cuidava da aparência com desvelo e suas mãos eram as que recebiam cuidados redobrados, suas unhas eram pintadas de rosa — uma discrição que se concedia — para acariciar seus homens prazerosamente. Recebia-os em sua casa, cujo endereço ela distribuía aos quatro ventos, e até mesmo muitos homens que ela nem conhecia e tampouco havia encontrado em algum momento já sabiam onde ela morava. Mesmo sendo uma casa pequena, a decoração era de todos os gostos, todos se sentiam bem por lá.
Mas acontece que chegou um daqueles dias que ninguém espera e que estarrece com o hálito quente e doce as diabruras do amor.
Djalma chegou com o mormaço do verão, numa tarde de suor, tocou a campainha da casa errada — a dela — para procurar um cliente de sua empresa. Não escondeu a admiração por curvas tão voluptuosas, e aceitou de pronto aquele convite insano para entrar.
Djalma tornou-se frequentador assíduo da casa.
Joana tornou-se escrava daqueles momentos e não aceitou mais nenhum encontro.
Mas acontece que chegou um daqueles dias que ninguém espera e aquele grande amor, que afoga a garganta de tão louco e intenso, abandona os abraços nus, deixa de lado os quadris e mata o sentimento de posse. Djalma se foi.
Joana não podia conceber a possibilidade de que as tardes quentes de mormaço mole estariam vazias, assim como suas carnes que não teriam o gosto do sal do amor urgente com Djalma. Ficou doente do amor abandonado e escorraçado, ligou, ligou e exigiu a presença do amante com pressa, com a urgência para um último adeus, o adeus da cama, dos beijos, do orgasmo e da calma do depois.
Djalma foi com a canalhice dos amantes que cansam de suas presas e entediado esperando os soluços chorosos da mulher descartada.


* * *



Quem ligou para a polícia foi uma vizinha — a manicure — que estranhou o silêncio de Joana e as faltas masculinas da casa. Estranhou o fato de que Joana pediu para que ela pintasse suas unhas de vermelho porque o homem de sua vida viria para ficar. Depois aquele cheiro putrefato que exalava do terreno vizinho.
Num sábado chuvoso de muito frio, a polícia e os bombeiros encontraram o corpo de um homem enterrado superficialmente no terreno. Estava irreconhecível. Na casa, Joana jazia nua em sua cama, as mãos cruzadas escondendo os seios e mostrando o vermelho vivo de suas unhas na carne branca e pálida da morte.





Copyright 2012 (c) - Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão da autora.

3 comentários:

  1. Conto espetacular, muito bem conduzido e com um desenrolar estarrecedor, pela criação do inusitado final. Gostei muito.
    Um abraço, Para Helena e para Michelle.
    Celêdian

    ResponderExcluir
  2. Oi Celêdian!!! Obrigada pelas palavras! A única coisa que me deu dó, foi a perda da horta... que culpa tinham as alfaces?? hahahahhaha Venha sempre ler a gente! beijos

    ResponderExcluir
  3. Parabens pela trama amorosa aqui com um desfecho triste para estes casos onde a posse supera o amor.Gosto da construção que nos fazx visualizar,isto é arte.
    Gostei deste espaço e sigo.
    Parabens a voces pela qualidade dos dois textos lidos,que me fará voltar.
    Já está nos meus favoritos.
    Meu abraço.

    ResponderExcluir

Caro(a) Leitor(a), comentários são responsabilidade do(a) comentarista e serão respondidos no local em que foram postados. Adotamos esta política para melhor gerenciar informações. Grata pela compreensão, muito grata por seu comentário. Um abraço fraterno, volte sempre!