sexta-feira, 31 de maio de 2013

Leituras ‘juninas’ no SVC




Queridos Leitores,

O próximo mês de junho, época de festas juninas no Brasil, será dedicado aqui no blog a duas ações de incentivo à leitura e à escrita; a primeira, voltada para crianças e a segunda, para um público mais geral, adulto e/ou juvenil.
Todo projeto que incentiva a leitura e a escrita tem o meu total apoio porque sou um fruto disso:  da iniciativa de pessoas que ao invés de ficarem de braços cruzados só reclamando de que não há leitores, de que o ensino está ruim, de que Educação não é prioridade no Brasil (os fatos estão aí para provar, infelizmente), ignoram tudo isso e começam a trabalhar. Também acredito que se algo está incomodando, só há um caminho: agir. Sem ação não há mudança.
E para que vocês conheçam um pouquinho da minha história e do quanto acredito no poder do esforço e iniciativa individuais, reproduzo aqui um texto-homenagem que escrevi em abril de 2009 para uma ex-professora que mudou minha relação com as Letras e talvez não faça idéia do quanto me influenciou. Com vocês, então: a homenageada.

Jaciara
Por Helena Frenzel

Não cito aqui seu sobrenome, pois dele não lembro mais. É que já faz muito, muito tempo. Além do mais, brasileiro parece não ligar muito pra isso, pelo menos não no dia-a-dia. Quem gosta de sobrenome é alemão. Frau Frenzel, Herr Silva. Para nós, brasileiros, basta o primeiro nome e tudo bem! E é por isso mesmo que só consigo lembrar de você assim, como Jaciara. Jaciara, professora de Língua Portuguesa numa das menores capitais do Brasil, escola pública, segundo grau — acho que essa designação nem se usa mais... Que seja: Ensino Médio!
Bom, lembro-me — muito bem aliás — dos longos cabelos negros marcando o contorno de sua figura baixinha. Pequenina, mas danada que só! Aliás, como toda boa nordestina. Nem sei se você era nordestina. O importante é que estava lá, ensinando outros a seguirem seu bom exemplo. Tanto faz onde (no Brasil) você nasceu.
Sempre que escrevo um texto e o leio em voz alta depois, para mim mesma, lembro de você e seu jeito peculiar de nos apresentar o Português, através de uma perspectiva, creio eu, pouco adotada na época: leitura e produção textual. É que naquela época já reinavam soberanos os currículos. O que importava não era a qualidade do conhecimento transmitido, e sim a quantidade de conteúdo registrado na caderneta.

Mesmo sob a ditadura das cadernetas você conseguia ser diferente. Era mágico como nossos textos mal escritos transformavam-se em boa literatura em sua boca, quando os lia para nós, sentados em círculos ao seu redor, na sala de aula. Digo textos cer.ta.men.te mal escritos pois éramos ainda muito verdes, carentes de conhecimento e do domínio dos mecanismos da Língua. E do seu jeito singular, o quê de mais importante ficou, pelo menos para mim, foi o amor e o respeito à Leitura e à Escrita que nos transmitiu.
Lembro que via nos olhos de alunos excluídos, colegas sem esperança, rotulados escória da sociedade, o brilho da descoberta de que nosso futuro não TINHA mesmo que ser tão ruim assim, como muitos previam. Conhecimento é poder. Palavra é poder. Você nos deu chaves para entender isso naquela ocasião, nos ensinou a brincar com, seduzir e (Por que não dizer?) — DOMINAR as palavras... E isso a todos nós, até mesmo àqueles que não quiseram crer na sua mensagem e foram ficando (creio) à beira do caminho. Jaciara, você nos ensinou a sonhar e correr atrás da realização.
Jamais pude lhe agradecer pelo imenso bem que me fez. Por isso agora este texto, que como uma mensagem em uma garrafa, jogada num mar de bytes, um dia talvez chegue ao destinatário certo. Eu sei das privações que você, como professora, passava. Ganhando muito pouco, tendo que trabalhar em vários lugares, todos os dias, em todos os turnos, vivendo com sua família num apertado quarto-e-cozinha, num tipo de pombal, sem lugar adequado para preparar suas aulas e com um mínimo de recursos. Muitos diriam que você tinha até sorte, pois infelizmente, no Brasil e em muitos lugares do mundo, DIGNIDADE virou termo sem significado prático real. Você nem tinha os recursos necessários para trabalhar conosco, para conseguir os livros que precisávamos. Vai ver por isso suas aulas eram tão criativas, transformando o material que nós mesmos produzíamos em obra literária, ponto de partida para fomentar um pensamento crítico, libertador e, ao mesmo tempo, desvendar os segredos da Língua, ferramenta prática da vida diária.
Para você, Jaciara, tiro o meu chapéu. Por causa de gente assim, como você, ainda conservo a estranha mania de ter fé na vida, num mundo mais justo e melhor. Minha melhor homenagem é tentar seguir e propagar seu exemplo.
Com todo o meu carinho,
Muito obrigada.
* * *

O meu mais sincero reconhecimento também a todos aqueles que se identificarem com esta minha antiga professora, pessoa fora-de-série, muito especial.
* * *

Publicado originalmente no Recanto das Letras sob o titulo A Uma Mulher Especial, em 29/04/2009. Código: T1566488


Pois é, este texto é antigo, achei por bem deixá-lo como nasceu: simples e verdadeiro, de letras 'verdes' que talvez agora tenham um outro tom. 
Acompanhem as postagens de junho, comentem e participem. O que muda o mundo são os indivíduos e as pequenas ações.

Helena Frenzel.


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2 comentários:

  1. Bom dia, Helena. Texto emocionante! Com essa sua homenagem, certamente sua professora se sentirá realizada por ter influenciado de forma positiva nem que seja uma de suas alunas.Parabéns, às duas.

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  2. Que lindo, Helena! Algumas pessoas vem para as nossas vidas e ficam para sempre, mesmo depois que vão embora. Com certeza, a Jaciara parece-se muito com a minha querida Tia Franci, mulher que me garantiu ( e a várias outras crianças) uma educação de qualidade durante cinco anos em colégio particular sem cobrar de meus pais um tostão.

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