segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Um Grande Estadista - Parte I

Por Michele Calliari Marchese


Comemorativo aos 51 anos da morte de Cel.Passos Maia


Abotoou o pijama com uma pressa de morto. Não tinha mais a agilidade de outrora e havia muito os dedos quase não lhe obedeciam ao comando. Apoiou-se na bancada da pia, recurvou-se e fechou os olhos. Estava velho e com frio.

Não conseguiu precisar o tempo que passou assim, mas a mulher o arrancou de seus devaneios com um toque no ombro. Pediu se passava bem e se precisava de alguma coisa e ele lhe sussurrou que agora nada lhe faltava, mas antes sim. Tudo lhe faltou.

“Esqueça”, lhe disse a esposa. “O que passou, passou. Você fez mais do que qualquer um poderia ter feito e hoje pode orgulhar-se de suas atitudes. Seu nome é lembrado em ruas, no colégio que construímos e naquele distrito perto de Ponte Serrada”.

“Mas foi pouco”, sentenciou o homem.

“O tempo passará e sequer saberão por que aquele lugar tem meu nome.”

A esposa suspirou, conhecia os rompantes depressivos do marido e chamou para dormirem. Ele nem lhe respondeu. Vestiu um casaco e foi para fora da casa. Pensou que no Natal daquele ano faria 75 anos e sentiu o frio gelar a sua alma. O céu sempre é mais estrelado no inverno e lembrou-se que dormia ao relento quando liderou o Batalhão Marechal Bormann em defesa do governo federal e de seu amigo Artur Bernardes. Tinha juntado 280 homens. Eram muitos, mas pensou melhor e achou que eram poucos. Poderia ter se esforçado mais, mesmo que não houvesse uma população tão expressiva naqueles anos.

Foram 24 anos de lutas incessantes para fomentar o progresso no Oeste Catarinense e nem por isso descuidou-se de sua família, dos caboclos que vinham lhe pedir dinheiro emprestado e lembrou-se daquele momento em que, sem dinheiro para pagar o colégio da filha, tinha pedido dinheiro emprestado a um comerciante local e não pôde recusar-se em dá-lo todo àquele homem necessitado que o abordara na ponte que tinha construído em Joaçaba. Lembrava exatamente das palavras do infeliz: “Cel., eu ia procurá-lo para lhe pedir quinhentos mil réis”.

“Dei um jeito e paguei o colégio depois”, pensou e remexeu-se na cadeira. Foram tempos difíceis.

E a sua memória começou a borbulhar como num filme, e as imagens sucediam-se sem misericórdia em sua frente, seus olhos lacrimejaram com o frio e foi justamente naquela época em que a Sede Municipal era trocada em lombo de mula de Xanxerê para Passo Bormann e vice versa que ele chegou à região.

Não poderia imaginar que um simples pedido do governador Hercilio Luz pudesse resultar no seu ingresso político de desenvolvimento. Tinha sido quando? Quase lhe faltava a memória, mas com um estalar de dedos, acabou dizendo em voz alta: “1918, claro.”

Ele viu todas as mudanças da Sede Municipal nas quatro vezes que aconteceram: A primeira vez foi em 1919, logo após o acordo de Limites em que especificava que a Campina da Cascavel pertencia ao Estado de Santa Catarina e não ao Paraná.

Veio com a família colonizar a região, fora um homem decidido e cheio de coragem para desbravar a terra que tanto amou. Carismático, por onde passava juntava uma turba de admiradores e então, não soube como foi nomeado Delegado especial do Governo do Município de Chapecó e depois Superintendente. Foi uma pena não ter podido participar da emancipação de Xanxerê em 1953. “Por onde andará meu amigo, o major João Simões Cavalheiro”? Pensou, e entristeceu-se. “Decerto que morto”. Fazia muito tempo que não tinha notícias dele.

Lembrou-se do Partido Republicano e de seus fiéis e incomensuráveis amigos. Leais era a palavra certa. Aquela era a sua terra, a sua gente. Agora ele estava velho, numa cidade grande, longe, seus amigos mortos. Tinha se mudado porque aconteceu de se mudarem e porque tinha se desgostado da política. Aquela política que fez não existia mais.

Resolveu deitar-se. Sabia que não dormiria, mas decerto esquentaria os pés gelados.


*** Continua na próxima postagem ***






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