quarta-feira, 16 de março de 2016

O dia 16

Por Michele Calliari Marchese

Coisa mais linda aconteceu no último dia dezesseis de janeiro, poderíamos dizer, que, dentre as intempéries que assolam a Campina da Cascavel a mais luminosa é a chuva de raios. Durante a noite foi possível vislumbrar milhares de raios e trovões despontando em todos os cantos de nossa cidade catastrófica.
A maioria dos xanxereenses pôde verificar um dos espetáculos mais medonhos e bonitos que se fazem presentes de quando em quando por aqui, ao som dos mais intrépidos trovões, lá longe, porém acima de nossas cabeças. Muitos tiraram fotos, filmaram, outros tiraram seus equipamentos das tomadas e muitas benzeram a tormenta pela janela da sala, queimando ramos bentos e rezando orações intermináveis. Os aniversariantes nem precisaram de velas em seus bolos e economizaram em fogos de artifício.
Eu, particularmente não via a hora do motor do disco voador pegar de uma vez, me parecia vê-lo rateando entre afogado e sem combustível para em seguida partir de uma vez para o espaço sideral deixando nosso nem sempre céu azul, azul de novo.
De onde estava, vi muitas pessoas em suas janelas chamarem outras de dentro de casa para ver o show pirotécnico da natureza. Despontavam raios por entre as nuvens espessas e escuras – já que era noite – e a lua sumiu do mapa deixando nós, reles mortais quase que aficionados pelo deslumbrante rebombar de raios e trovões. Thor não apareceu com seu martelo, de modo que ficaremos chupando o dedo mais algum tempo esperando por algum herói que salve a gente.
Ventava bastante naquela noite e foi deveras assustador, percorri repetidas vezes janela por janela para ver se estavam bem fechadas e me arrisquei a rezar uma daquelas rezas intermináveis das benzedeiras da Campina da Cascavel, porém não sabia de nenhuma e deixei para quem conhece o assunto; lembrei que nessas horas não convém sair à rua, tampouco apontar o dedo para o céu sem o risco iminente de se sair carbonizado ao final da tarefa; cabelo molhado nem pensar e as reses deitam-se quando o tempo arma para chuva e uma ou outra vaca desavisada, daquelas moderninhas, teima em ficar de pé sendo alvo dos inclementes raios, que as fulminam instantaneamente como já aconteceu. Uma desgraça. 
Vi as árvores balançando ao sabor daquele vento impetuoso como a dizer “não caiam em mim, sou muito nova, nem dei frutos ainda, ai meu Deus, nem podemos fugir para as montanhas”. E lastimavam aquelas pobres árvores no seu alarido frugal de séculos e séculos.
Tampouco nós podemos fugir para as montanhas em casos catastróficos, pois já estamos nos promontórios.  
Não recordo exatamente quando teve um mau agouro como esse, acontecido há poucos dias, mas lembro exatamente o que pensei naquela época: que não teríamos noite por no mínimo seis meses tal era a quantidade de raios que esmiuçavam pelo nosso céu varonil. Recordo que via pessoas correndo pelas ruas para chegarem às suas casas antes de cair a grande tormenta que aconteceu logo em seguida, sem muitos estragos daquela vez.
Geralmente os nossos aguaceiros, e digo “nossos” porque eles fazem parte de nossas vidas; inclusive têm bebês que não veem a hora de assistir algum temporal porque não aguentam mais ouvir falar disso e quando conseguem que algum pai lhes mostre a fúria da natureza eles batem palminhas e torcem para que acabe a luz para então acenderem lanternas e se assustarem com as sombras etéreas pelas paredes e nesse caso a luz só volta quando o bebê dormiu de tanto chorar. É aqui que encontramos todas as estações do ano num só dia, é aqui que vemos a noite virar dia e o dia virar noite como naqueles clássicos temporais de março de 1983 e maio de 1991 que inundaram a cidade em poucos minutos. Os nossos aguaceiros são retumbantes; dificilmente cai chuva fina e quando a dona de casa pensa em recolher a roupa do varal já choveu, deixando-a praticamente naufragada entre prendedores de roupas e bacias, chinelos escorregando pela vertente que brota daquele piso outrora seco de cimento.
No dia dezesseis de janeiro não houve borrasca preocupante, mas teve muitos elevadores suspirando, sinais de TV a cabo incapacitados de reconhecer algum sinal (por isso ainda acredito em uma grande nave mãe com o motor afogado, estacionada bela e formosa no céu xanxereense), luzes intermitentes, olhos ardidos em direção ao horizonte de nossas janelas; cachorros escondidos debaixo de casas, muitas apreensões daqueles que temem perder tudo, mas em compensação sempre é um renovar de vida da própria natureza escaldante, furiosa e que nos proporciona espetáculos maravilhosos e preocupantes, mas mesmo assim são espetáculos que muita gente sequer ouviu falar. E ainda temos o orgulho de nunca saber (quando saímos de casa), se estamos com a roupa certa para o clima ou não.


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