quarta-feira, 6 de abril de 2016

As incríveis aventuras do Delegado Jurandir - O tesouro do Rio Ditinho


Por Michele Calliari Marchese

O delegado Jurandir estava em uma de suas rondas a cavalo na Invernadinha; vinha margeando o Rio Ditinho quando encontrou um corpo boiando e preso entre uma galhada de árvore; o morto estava atado pela camisa.
Sacou de seu revólver e desceu da montaria escondendo-se num mato próximo a cuidar se o assassino estava por ali. Depois de algum tempo pensou que talvez tivesse sido um descuido daquele morto que provavelmente não sabia nadar. Tampouco ele o sabia e sem a ajuda de alguém não conseguiria fazer o resgate.
Voltou para a cidade e chamou o imediato que trouxe consigo muitas cordas e com a ajuda dos cavalos conseguiram trazer o morto para a margem e reconheceram o dito cujo como sendo um morador daquela localidade.
Porém, logo que eles assentaram o corpo na terra, um pequeno redemoinho se formou naquele mesmo lugar onde estava o falecido e aquela galhada sugeria um acesso lúgubre ao desconhecido. O delegado foi tomado de arrepios pelo corpo todo e o imediato lhe chamou à razão, pois que as mãos duras do jazido escondiam pequenas joias que segurou antes da tragédia do afogamento.
Delegado e imediato se olharam assustados e em seguida olharam para aquele redemoinho que aumentara de tamanho, o tamanho de um homem. 
Enquanto o Jurandir pensava em uma maneira de avisar os parentes daquele morto, o imediato tentava a todo custo abrir aquelas mãos ricas e tomar para si o pequeno tesouro escondido da brutalidade da morte. Aquelas joias poderiam ser o produto de algum furto, e o redemoinho chamou-lhes a atenção.
Elaboraram um plano minucioso. Primeiro colocaram um pedaço de pau para ver a fundura daquele lugar e em seguida mediram as cordas. Iria o delegado, impetuoso em sua curiosidade e nu para não ficar preso em alguma coisa que poderia surgir pelo caminho. Amarrou uma lanterna envolta num pedaço de pano no braço, uma ponta da corda na cintura e a outra ponta na sela do cavalo e regularam seus relógios para que de três em três minutos o delegado puxasse a corda para avisar o imediato que estava tudo bem, caso não houvesse o puxão, ele faria com que o cavalo andasse e puxasse o delegado imediatamente.
Suando em bicas e só de ceroulas, subiu por aquela galhada que servia de acesso àquele portal misterioso e disse: “Pronto!” e o imediato começou a soltar a corda para a descida mais incrível da vida do Jurandir. 
Pela entrada do redemoinho o delegado já pôde vislumbrar o fundo do rio e a altura dava em torno de quatro metros e não havia nada lá a não ser areia e pedras. Estava quase desistindo de descer mais quando, à sua direita, estava em formação um redemoinho lateral. “Impossível”. Exclamou o delegado e gritou para o imediato sobre aquela coisa inexplicável. Pegou a lanterna e focou naquela entrada e ficou pasmo com a quantidade de ouro e pedras preciosas que juntas seguiam em rastro até um ponto escuro como o breu e sem alcance para a luz da lanterna. 
Sentiu ímpetos de seguir por ali, porém davam os minutos da razão de mantê-lo vivo naquela empreitada e puxou a corda para avisar o imediato que estava bem. Pegou nas pedras preciosas e uma ganância sem precedentes tomou conta de seus pensamentos e não tinha bolsos para guardar tamanho tesouro e imensa fortuna, pois estava de ceroulas e não atinava na possibilidade de como guardar tudo aquilo que tinha escorrendo pelos dedos.
Deu mais um puxão na corda.
Colocou o braço profundamente naquele buraco de água para tentar iluminar ainda mais e o que viu o fez vomitar. Tinha cadáveres por todos os lados e todos de alguma maneira vestiam as joias mortíferas. Era horrendo tudo aquilo e então ele viu esqueletos debaixo da água e entre eles esqueletos com braceletes de ouro e pedras preciosas, colares das mais imensas pérolas já vistas na humanidade, brincos de ouro talhados minuciosamente por algum ourives do mal. Coroas flamejantes que deveriam pesar mais de vinte quilos adornando o crânio quebrado e tombado na areia do fundo do rio. Viu também um objeto que cuspia as joias e todas aquelas maravilhas infinitas e lembrou que havia lido e visto em algum lugar que aquilo se chamava cornucópia.
Faltava-lhe o ar naquele buraco insalubre e pestilento. Então ele viu uma mulher, e talvez tenha sido a mulher mais linda que ele já vira em sua vida e que lhe pedia socorro, porém tinha os braços repletos de joias, nem todos os soberanos juntos tinham a riqueza da vestimenta daquela mulher e ela segurava com sofreguidão uma coroa lindíssima a lhe cobrir os cabelos ruivos. E ficou atordoado por não conseguir desatar o nó da corda em sua cintura para salvá-la e tremia por não conseguir focar a lanterna no desespero daquela alma no fundo do rio.
O imediato não pensou duas vezes, passou cinco segundos do minuto três e ele deu uma espalmada na anca do cavalo que o fez saltar e correr em disparada trazendo para a margem o delegado são, salvo, mas com os olhos esbugalhados. Morreria se ficasse lá mais um pouquinho. E contando ao imediato tudo o que vira, contou da mulher e da triste conclusão que tirara quando se apercebeu dos corpos e esqueletos jazidos no fundo do rio sem esperança de que boiassem pelo fato de estarem repletos de joias a lhe cobrirem os corpos decompostos.
Abriu o envoltório da lanterna e retirou de lá várias pedras preciosas para comprovar tudo o que havia dito e visto e o imediato se benzia de quando em quando e tirou dos seus bolsos aquelas joias que conseguira tirar das mãos do morto e disse serem amaldiçoadas e que nunca, nem em confissão contaria o que havia ali, naquele rio tão perto da cidade e tão profundamente monstruoso.
Jurandir pensou também que se entregasse o falecido com as joias nas mãos a população pediria explicações e iriam sem mais demora àquele redemoinho dos diabos e a catástrofe se instalaria na Campina da Cascavel. Cortaram a árvore para que ninguém mais se pendurasse nela para olhar o inferno e então como num estancar do tempo, o redemoinho se fechou para sempre.

Levaram o corpo para a família velar. As joias foram doadas ao Frei Leonardo para que ele construísse um centro comunitário para as festas da igreja.

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